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Volta a Portugal dos 90 anos: protagonistas que escreveram o guião

Raúl Alarcón (W52-FC Porto) chegou à 79ª Volta a Portugal Santander Totta vindo de realizar a sua melhor temporada de sempre, obtendo vitórias em Portugal e em Espanha. Aos 31 anos de idade, conquistou pela primeira vez a camisola amarela da Volta, destacando-se como o ciclista do pelotão nacional melhor posicionado no Ranking World UCI, no 122º lugar.


A equipa W52-FC Porto chegou à Volta a Portugal de 2017 como máxima favorita à conquista da camisola amarela. O bloco dirigido por Nuno Ribeiro não defraudou expectativas, escrevendo quase na totalidade o guião da 79ª edição. A razão estava à vista de todos, ou não fosse este um grupo de elevada qualidade, como o próprio vencedor de duas edições Gustavo Veloso nos disse na apresentação das equipas, em Belém.

“Temos uma equipa forte. Temos dentro da mesma equipa três ciclistas que já ganharam a Volta [Rui Vinhas, Gustavo Veloso e Ricardo Mestre], mais três que terminaram nos dez primeiros [António Carvalho, Amaro Antunes e Raúl Alarcón] e os outros dois são o [Samuel] Caldeira, que já tem muitos anos de experiência trabalhando na Volta para diferentes líderes, e já ganhou 8 Voltas como colega de equipa, e temos o Joaquim Silva que já começa a ser um veterano da Volta. A equipa está forte e compensada”, declarava ao Cycling & Thoughts o líder da equipa Gustavo Veloso no dia anterior ao prólogo.

Nos últimos quatro anos, a estrutura W52-FC Porto, que tem mudado de designação, venceu a prova rainha do calendário nacional com três ciclistas. Alejandro Marque venceu em 2013 e este ano tentou fazê-lo novamente com a esquadra Sporting-Tavira; Gustavo Veloso imperou em 2014 e 2015 e tentou repetir o triunfo este ano; Rui Vinhas brilhou em 2016 simbolizando a vitória do gregário de excelência.

Quando tudo parecia encaminhado para a terceira vitória do galego Veloso, às primeiras etapas repetiu-se o fado iniciado no ano transacto, a que muitos apelidaram de “Raúl Alarcón ser o Rui Vinhas da Volta de 2017”.

O começo de Gustavo Veloso não foi tão forte como o esperado. Terminando o contra-relógio inaugural com o 12º melhor tempo, viu ficar à sua frente a dupla de líderes da Sporting-Tavira, Marque e Nocentini, com Alarcón a gastar somente mais 4 segundos do que o companheiro, começando aqui a demonstração de força de Alarcón reflectida ao longo da temporada, na qual soma 10 vitórias.

À excepção do prólogo, que finalizou em 16º, Raúl Alarcón terminou todas as etapas no Top 10, conquistando as jornadas de Setúbal e da mítica Sra. da Graça. Uma performance pautada pela determinação em se manter na discussão de grande parte das etapas e de conservar a liderança dia após dia. A camisola amarela alcançada ao final da primeira etapa em linha foi assim guardada cuidadosamente no seu corpo pela sua qualidade e do colectivo da W52-FC Porto, que guardou também os trunfos Gustavo Veloso e Amaro Antunes para a geral.

Comparando os números, Veloso terminou sete etapas no Top 10, vencendo em Viana do Castelo, no alto de Santa Luzia, e o contra-relógio final em Viseu. Numa edição em que transpareceu não estar com o mesmo alento de edições anteriores, viu a Torre derrubá-lo e não o contrário como em anos anteriores, onde venceu no alto da Serra da Estrela ou mesmo no ano passado, em que venceu a etapa com passagem pela Torre e chegada à Guarda, com a diferença de em 2017 se fazer a subida apenas uma vez. No final desta penúltima etapa, desceu a 27º na geral, perdendo na jornada mais de 40 minutos para Alarcón e Amaro Antunes, dupla que sentenciou a Volta neste dia. No final da Volta, após um deslumbrante desempenho no contra-relógio, terminou em 24º da geral, a 42 minutos e 9 segundos.

Continuando a comparação dos números, Amaro Antunes terminou seis etapas no Top 10, vencendo a então referida etapa rainha na Guarda com uma vantagem que lhe garantiu a subida a 2º da geral, a somente 31 segundos da amarela, estando os restantes adversários a mais de 5 minutos de distância. No contra-relógio final viu aumentar a distância para o lugar mais alto do pódio, fechando esta edição em 2º, obtendo aos 26 anos o seu melhor resultado de sempre na Volta. Destaca-se na liderança do Ranking APCP Ciclista do Ano e como o segundo ciclista do pelotão nacional melhor posicionado no Ranking World UCI, no 195º lugar.

Com o primeiro e segundo lugares assegurados à partida para o contra-relógio final, a W52-FC Porto tinha assegurado ainda mais uma vitória em etapa com Samuel Caldeira, em Castelo Branco, e as classificações da montanha com Amaro Antunes e do combinado com Alarcón.

Num bloco que se destacou pelo trabalho consistente e demolidor frente às restantes equipas, todos os elementos foram cruciais na construção de mais esta vitória. Quantas vezes vimos Samuel Caldeira, Rui Vinhas, Joaquim Silva, Ricardo Mestre e António Carvalho numa enorme labuta em prol da equipa e destroçando os demais blocos? Inúmeras.

Ainda assim, quanto à luta pela geral é redutor afirmar que a W52-FC Porto ganhou com facilidade. Na estrada, a equipa teve de reflectir um enorme trabalho de grupo para arredar os adversários da luta pela amarela, destacando-se nesse campo os nomes de Vicente de Mateos (Louletano-Hospital de Loulé) e Rinaldo Nocentini (Sporting-Tavira).

O espanhol De Mateos, de 28 anos, entrou no Top 10 ao final da primeira etapa em linha, ocupando o pódio mais precisamente a partir do final da sétima jornada. A vitória na meta em Oliveira de Azeméis fê-lo subir a 2º e sonhar com a conquista da Volta, que espreitava à distância de 14 segundos. Mas também neste caso, a etapa com passagem na Torre fez desmoronar o sonho, vendo-se ao final deste dia a mais de 5 minutos da dupla azul e branca. A escassos segundos de Nocentini na geral, o contra-relógio final serviu para defender o 3º lugar no pódio, ficando a mais de 5 minutos da amarela.

O mesmo sucedeu com o italiano Nocentini, de 39 anos. A ocupar o pódio desde o final da quarta etapa, chegou à Torre em 3º na geral, a escassos 19 segundos da amarela. Contudo, essa escassa diferença transformou-se igualmente em mais de 5 minutos e na 4ª posição, fora do pódio da geral. No contra-relógio lutou, mas a sua luta não conseguiu arredar De Mateos do 3º lugar.

Alejandro Marque (Sporting-Tavira) em 5º, João Benta (RP-Boavista) em 7º, Henrique Casimiro em 8º e Sérgio Paulinho (Efapel) em 9º fecharam a Volta na 2ª metade do Top 10, com a jovem surpresa Krists Neilands (Israel Cycling Academy) a brilhar na juventude dos seus 22 anos entre os mais experientes, fechando o Top 10. Pelo meio, a W52-FC Porto ainda teve António Carvalho em 6º da geral.

Na sempre injusta posição de ficar à beira dos lugares de referência, que inevitavelmente são os lugares do Top 10, há que fazer menção à Euskadi-Murias e ao 12º lugar de Mikel Bizkarra, ciclista basco que esteve diariamente na luta por um bom resultado na Volta e ainda tentou levar consigo a camisola da montanha, ficando a 4 pontos de consegui-lo. Também a equipa lusa LA Alumínios-Metalusa-BlackJack ficou à porta dos dez primeiros com Hugo Sancho a finalizar em 11º, conseguindo a equipa de Albergaria-a-Velha ter ainda nos lugares cimeiros César Fonte em 15º e Luís Afonso em 19º, tendo este recebido em duas etapas o prémio da combatividade.

Neste campo, a RP-Boavista destacou-se também com a qualitativa estreia de Luís Gomes na Volta, tendo aos 23 anos finalizado em 14º na geral e 2º na juventude, e Egor Silin a fechar em 18º, não esquecendo a quase vitória do campeão nacional de contra-relógio Domingos Gonçalves no prólogo, que fugiu por 2 segundos.

Já a Efapel teve ainda Daniel Mestre em 20º na geral, estando por três vezes muito perto de vencer uma etapa e repetir a glória alcançada na edição transacta, na qual foi feliz por duas vezes. Este ano faltou-lhe a simbiose perfeita com Rafael Silva, que longe esteve de poder mostrar todo o seu valor pela queda sofrida e os consequentes 17 pontos no corpo. Ainda assim, fincou pé e manteve-se na Volta até ao final, dando tudo o que podia de si à equipa. A vitória não faltou à equipa, concedida por António Barbio, que acreditou na fuga até ao alto da Nossa Sra. da Assunção.

Não podemos deixar de referir Frederico Figueiredo, que massacrado por quedas desde a primeira etapa, lutou por se manter na Volta, mas após o dia de descanso o corpo pediu tréguas, sendo uma importante baixa na equipa Sporting-Tavira, que veio para a Volta sem o imprescindível Joni Brandão, por motivos de foro clínico.

Existem ainda dois nomes lusos a referir nesta 79ª edição da Volta: estreia de João Matias (LA Alumínios-Metalusa-BlackJack) e o adeus de Rui Sousa (RP-Boavista). Matias foi irreverente na luta pela montanha, tentando suplantar as suas características de sprinter desde o momento em que se viu líder da camisola azul, classificação que perdeu apenas na penúltima etapa para Amaro Antunes. Sousa despediu-se aos 41 anos da sua corrida do coração com uma vitória portentosa em Fafe, após um ataque na terra batida do troço do Rali de Portugal. Uma despedida à medida do ciclismo romântico, num ciclista que sempre deu e recebeu emoção do público.

Quanto às 12 equipas estrangeiras presentes na Volta, a francesa Armée de Terre foi a mais notada pelas duas vitórias em etapa com Damien Gaudin, a vestir a primeira camisola amarela no prólogo em Belém, e Bryan Alaphilippe em Bragança.

A Israel Cycling Academy teve no jovem Krists Neilands a estrela da equipa ao vencer a camisola da juventude, classificação à qual chegou à liderança desde o final da 4ª etapa. O 10º lugar na geral reflectiu a boa exibição na Volta, tendo terminado quatro etapas no Top 6.

A italiana GM Europa Ovini esteve perto de vencer em Castelo Branco com Antonino Parrinello frente a Samuel Caldeira, voltando a estar perto do triunfo com Marco Tizza em 3º em Oliveira de Azeméis, superado por De Mateos e Daniel Mestre.

Na basca Euskadi-Murias, para além do referido Bizkarra, a equipa bastante presente nas fugas teve em Óscar Rodríguez um dos líderes da juventude durante três etapas, ciclista de 22 anos que também esteve em evidência no Troféu Joaquim Agostinho deste ano.

A kuwaitiana Kuwait-Cartucho.es trouxe ao pelotão o experiente Davide Rebellin, que cumpriu 46 anos no decorrer da Volta, tendo italiano ocupado o 10º na geral da primeira à terceira etapa.

A edição dos 90 anos da Volta a Portugal chegou ao fim deixando uma nota preocupante. Dos 140 ciclistas que iniciaram a prova, 35 contavam para a classificação da juventude e destes apenas 2 eram portugueses. Luís Gomes (07/05/1994), da equipa RP-Boavista, e André Evangelista (31/01/1996), da equipa Louletano-Hospital de Loulé, foram os únicos representantes lusos na classificação para a camisola branca da Volta, reservada a ciclistas nascidos a partir de 01/01/1994. Ambos terminaram a prova, em 2º e 23º da juventude respectivamente, entre os 24 que chegaram ao fim da 79ª edição.
 
W52-FC Porto conquistou pela quinta vez a Volta a Portugal (© Helena Dias)

Geral: Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto
Combinado: Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto
Montanha: Amaro Antunes (Por) W52-FC Porto
Pontos: Vicente de Mateos (Esp) Louletano-Hospital de Loulé
Juventude: Krists Neilands (Lat) Israel Cycling Academy
Equipas:
1ª W52-FC Porto
2ª RP-Boavista
3ª Efapel

Classificação Geral Final Top 20
1º Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto 41:46:14
2º Amaro Antunes (Por) W52-FC Porto +1:23s
3º Vicente de Mateos (Esp) Louletano-Hospital de Loulé +5:25s
4º Rinaldo Nocentini (Ita) Sporting-Tavira +5:54s
5º Alejandro Marque (Esp) Sporting-Tavira +7:10s
6º António Carvalho (Por) W52-FC Porto +7:25s
7º João Benta (Por) RP-Boavista +7:54s
8º Henrique Casimiro (Por) Efapel +8:11s
9º Sérgio Paulinho (Por) Efapel +8:36s
10º Krists Neilands (Lat) Israel Cycling Academy +9:35s
11º Hugo Sancho (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack +11:25s
12º Mikel Bizkarra (Esp) Euskadi-Murias +11:43s
13º Patrick Schelling (Sui) Team Vorarlberg +14:10s
14º Luís Gomes (Por) RP-Boavista +26:13s
15º César Fonte (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack +26:17s
16º Ricardo Mestre (Por) W52-FC Porto +31:12s
17º Jesús del Pino (Esp) Efapel +32:23s
18º Egor Silin (Rus) RP-Boavista +34:19s
19º Luís Afonso (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack +34:52s
20º Daniel Mestre (Por) Efapel +35:15s

Lanterna Vermelha:
109º Gotzon Udondo (Esp) Euskadi-Murias +3:12:32s

Vitórias em Etapas:
Prólogo- Damien Gaudin (Fra) Armée de Terre
Et1- Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto
Et2- Samuel Caldeira (Por) W52-FC Porto
Et3- Bryan Alaphilippe (Fra) Armée de Terre
Et4- Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto
Et5- Gustavo Veloso (Esp) W52-FC Porto
Et6- Rui Sousa (Por) RP-Boavista
Et7- António Barbio (Por) Efapel
Et8- Vicente de Mateos (Esp) Louletano-Hospital de Loulé
Et9- Amaro Antunes (Por) W52-FC Porto
Et10- Gustavo Veloso (Esp) W52-FC Porto

Prémio Combatividade:
Prólogo- Domingos Gonçalves (Por) RP-Boavista
Et1- Gotzon Udondo (Esp) Euskadi-Murias
Et2- Jim Lindenburg (Ned) Metec-TKH
Et3- Mikel Bizkarra (Esp) Euskadi-Murias
Et4- Filipe Cardoso (Por) RP-Boavista
Et5- Luís Afonso (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack
Et6- Rui Sousa (Por) RP-Boavista
Et7- António Barbio (Por) Efapel
Et8- Luís Afonso (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack
Et9- Krists Neilands (Lat) Israel Cycling Academy
Et10- Gustavo Veloso (Esp) W52-FC Porto
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