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Volta a Portugal, sonho lusitano

Pode uma corrida de ciclismo ser um sonho? Sim, um sonho lusitano para muitos dos ciclistas lusos que pedalam a Volta a Portugal a cada temporada. Nos últimos anos, a maior prova nacional tem sido rainha dos galegos, enquanto para os portugueses se tem tornado numa verdadeira utopia inalcançável.

O ano de 2011 marca na história da Volta o último pódio totalmente português. Ricardo Mestre (Team Tavira) ocupou o trono tendo a seu lado o então companheiro de equipa André Cardoso (Cannondale-Garmin) e Rui Sousa (Rádio Popular-Boavista) a correr pela Efapel. Em 2015, Mestre e Sousa perfilam-se novamente como candidatos à vitória da 77ª edição da rainha lusitana, a par de Hernâni Brôco (LA Alumínios-Antarte) e Hugo Sabido (Louletano-Ray Just Energy). Quatro heróis lusos em busca do almejado troféu, que já sentiram na pele o que é vestir a camisola amarela. Quatro heróis lusos que sentiram o sabor da vitória de etapas e marcaram a Volta a Portugal em momentos particularmente tocantes. Revivemos esses momentos…

Rui Sousa na vitória em Viana do Castelo, 2013
(© Volta a Portugal)

Rui Sousa, 39 anos, agarra-se de forma absoluta ao sonho da Volta ser sua. Por quatro vezes consecutivas esteve perto de conquistar a rainha dos seus sonhos, 2º da geral em 2014 e 3º nos anos de 2013, 2012 e 2011. Tinha logrado o seu primeiro pódio em 2002 com um 3º lugar. Quatro foi também o número de etapas ganhas, abraçando as jornadas míticas da Torre [2014/2008] e Sra. da Graça [2012], além de Viana do Castelo [2013]. É esta vitória que relembramos pela sua garra, pela sua vontade, pela sua incondicional entrega à Volta a Portugal. Aquele final da 2ª etapa, que ligou Oliveira de Azeméis a Viana do Castelo em 187,2 km, revelou no rosto de Rui Sousa todo o seu crer e querer a Volta. Corria em casa e conhecia a última subida de Santa Luzia como a palma da sua mão. Nos metros finais, um engano no percurso levou Joni Brandão e Danail Petrov a perder a vantagem que tinham na frente e a possibilidade de lutar pela vitória. Rui Sousa agarrou com toda a emoção, que pulsa no seu corpo pela Volta, a oportunidade de triunfar em casa. Pedalou esses metros finais golpeando os pedais com uma determinação implacável, não dando espaço a qualquer adversário de roubar a linha da vitória. A expressão do seu rosto deu que falar e marcou esse dia. Nele reflectiu a imagem de uma luta de anos de carreira, de que quando queremos muito alcançar um objectivo torna-se difícil virar as costas mesmo quando esse sonho parece inatingível. A cada ano, Rui Sousa agarra com todo o seu querer o desejo de desposar a rainha lusitana. Já esteve tão perto de alcançá-lo nesta longa e bela carreira, na qual foi campeão nacional em 2010. Porque não tentar outra vez e, quem sabe, chegar à concretização deste almejado sonho.

Hugo Sabido no beijo da sonhada camisola amarela, 2011
(© Helena Dias)

Hugo Sabido, 35 anos, o mais internacional destes quatro corredores viveu três anos da sua carreira na britânica Barloworld [2006-2008]. Também ele sonha com a conquista da Volta, um objectivo pedalado mais fortemente nas últimas temporadas, envergando a camisola amarela com veemência em 2012. Nesse ano, quatro foram os dias vividos enquanto líder da Volta, terminando em 2º no pódio final. No entanto, o ano anterior deu-nos o momento a relembrar. O prólogo de 2011, pedalado em curtos 2,2 km em Fafe, garantiu a Hugo Sabido a concretização de dois sonhos: alcançar a primeira vitória da sua carreira na Volta a Portugal e envergar pela primeira vez a amarela. Um contra-relógio individual que levou 3m04s a conquistar, deixando a 6s Filipe Cardoso e Bruno Silva. Apesar de ter perdido a liderança logo ao dia seguinte para o vencedor da 1ª etapa Sérgio Ribeiro, nada apaga o sonho cumprido, a subida ao pódio e o beijo na reluzente camisola no momento em que a vestia. Em 2015 irá tentar beijar novamente a vitória e lutar pela amarela.

Hernâni Brôco e a vitória de coração na Sra. da Graça
(© Helena Dias)

Hernâni Brôco, 34 anos, persegue o objectivo primordial de escrever no palmarés da Volta o seu nome como vencedor do troféu. A par de Sabido, também para Brôco 2011 foi um ano marcante. A amarela foi sua e de um modo inolvidável. A sua única vitória de etapa na Volta deu-lhe a sonhada camisola. E não foi uma etapa qualquer. Graciosamente, triunfou na mítica Sra. da Graça. Ao fim de 151 km da 3ª jornada, o coração bateu mais forte no alto de Mondim de Basto. Num duelo com Ricardo Mestre, que viria a vencer a Volta nesse ano, Hernâni Brôco foi mais forte nos metros finais, batendo com a mão no peito ao cruzar vitoriosamente a meta, demonstrando como aquele triunfo tinha vindo do coração. Nesse ano terminou em 5º da geral, a sua melhor classificação na Volta e o mesmo lugar alcançado em 2010 e 2013. No presente ano, o sonho persiste tal como a luta pelo triunfo final.

Ricardo Mestre, o especial amuleto no triunfo do prólogo
e da Volta a Portugal 2011 (© Volta a Portugal)

Ricardo Mestre, 31 anos, único dos quatro nomes a sentir o doce sabor da conquista da Volta a Portugal. A 73ª edição da rainha lusitana foi ganha com mestria e um amuleto especial. A perícia com que abordou o delicado contra-relógio individual da 7ª etapa levou-o à liderança da amarela, uma camisola que não mais despiu até à consagração final. Do Sabugal à Guarda gastou 46m52s a pedalar os 35,3 km, que o levaram à vitória da jornada e da Volta de 2011. Nesse dia, nem o pavé desacelerou a pedalada para a glória com 1m sobre Hernâni Broco e 1m42s sobre Ricardo Vilela. A imagem que marcou esse dia, Ricardo Mestre de camisola amarela no pódio e chupeta cor-de-rosa na boca, o especial amuleto que nunca largou ao longo de toda a Volta. Uma forma de ter consigo a sua filha Lara, então de 8 meses, dando-lhe sorte a cada quilómetro pedalado. De gregário de luxo de David Blanco, com quem viveu três das vitórias do talento galego, passou a líder vencedor da Volta. Mas não se pense que a glória começou somente nesse ano. Já em 2006, ano em que David Blanco venceu a sua primeira Volta a Portugal pela Comunidad Valenciana, Ricardo Mestre vestiu a amarela após vencer a 6ª etapa de 150,2 km entre Santo Tirso e Fafe. Nesse dia, destronou da liderança nada mais do que Gustavo Veloso, então corredor da espanhola Kaiku, vencedor da Volta em 2014. Na presente temporada, o regresso à casa de sempre Tavira espera levar Mestre a reencontrar o caminho da vitória.

Os heróis lusitanos sonham com a conquista da Volta a Portugal. São anos de dedicação, de entrega e sofrimento, de alegrias e tristezas, de glórias e perdas. E dizemos perda, porque a palavra derrota é demasiado forte e não encaixa num desporto em que o ciclista dá tudo de si até não poder mais, nunca saindo derrotado mas sim vencido por alguém mais forte num determinado momento. Existem muitas corridas, mas para os seus corações nenhuma é como a rainha a quem entregam, mais do que o corpo, a alma. Não será fácil a batalha perante os altíssimos valores galegos Alejandro Marque (Efapel) e Gustavo Veloso (W52-Quinta da Lixa), já vencedores e máximos favoritos. Rui Sousa, Hugo Sabido, Hernâni Brôco e Ricardo Mestre contam esta temporada com sólidas esquadras, que irão dar tudo na estrada para cumprir o sonho lusitano. Tudo é possível para estes heróis para quem a rainha é magia, é emoção, é paixão. É simplesmente a sua Volta a Portugal.

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(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

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